Aqui a noite nunca é escura. As ondas continuam quebrando no mar inquieto, enquanto meus pés passeiam pelos desenhos disformes do calçadão. Atordoado pelo calor infernal, que sempre faz perder o sono e a pele queimar pedindo algo com vida.
Na areia da praia, próximo às rochas, as chamas nas latas movem-se segundo mandam os ventos e as pessoas conversam junto à música que toca num celular sobre as pedras da extremidade da praia. O anoitecer padece sob a luz forte da lua, iluminando os corpos condenados que, agora, se despem, correm até a praia e mergulham, enquanto outros cantam e dançam bêbados em ritmo descompassado.
O garoto sentado na areia me perguntou algo sobre cerveja ou vodka, mas minha atenção fora roubada, por uma garota loira parcialmente despida, de olhos claros e cintura fina.
— Quem é? — apontei-a e perguntei sem tirar os olhos dela.
— Natalie. Mas está perdida.
— Perdida? — perguntei.
— Os pais se separaram não faz muito tempo. — ele tragou o cigarro que estava segurando e logo continuou. — Sabe como é, garota rica. Só está se rebelando enquanto não cai a ficha. — soltou a fumaça, e fitou-me com um sorriso singelo.
— Não cai a ficha de...? — indaguei, confuso.
Ele completou.
— De que isso aqui não é vida. — deitou-se e os cabelos loiros enrolados sujaram na areia. — Álcool, almofadas... latas pegando fogo numa segunda-feira à noite. Nenhuma dessas pessoas está aqui porque querem estar. Estão, pois pertencem a esse lugar. E ela certamente não pertence aqui.
—Talvez pertença. — e olhei-a pela segunda vez naquela noite. De pele branca à luz da lua, serena com seus cabelos loiros sobre os seios descobertos. Deitada, ela apontava o céu como quem desenhava estrelas.
Estranhamente, meus olhos flamejantes não cessaram em admirá-la, embora aquela noite tenha sido muito maior. Eu havia acabado de encontrar duas belas almas, que caminhariam e dançariam comigo até o fim dos meus dias.