junho 22, 2010

Inverno

Encostou a ponta da caneta sobre o papel desgastado. Buscando inspirações no coração apertado, trabalhou a primeira letra do pensamento como se o tempo fosse benéfico à autoria.

Era desorientado e cheio de sonhos. Agora, todo desventurado.

Os que o conheciam sabiam da sua grande tendência à melancolia, mas ele não os enxergava, não mais enxergava nem a si próprio. Sentia-se pequeno e desinteressante, não importava quantos livros lesse ou quantas canções compusesse naquele piano surrado de sua avó.

Respirou. Olhou a cadeira ao seu lado, onde costumava existir um grande expectador, seu maior expectador. O detentor de suas canções não estava mais ali para vangloriar as grandes feitorias do dramático apaixonado. Cortou-lhe o coração pensar. Debruçou fraco sob a pilha de papéis e, com as mãos ao rosto suado, acabou-se em lágrimas desesperadas.

A mão batera na garrafa de vinho, que caiu no chão e manchou o tapete. Ainda ouvia a água cair do chuveiro e bater na cerâmica da banheira. Ainda se lembrava do corpo descoberto sob a cama de lençóis bagunçados. E os cabelos despenteados desesperavam por entender, e ansiava pela loucura cada vez que lhe batia a lucidez.

Os dedos passearam pelas teclas do piano, mais tarde. Pulmões cansados deram espaço à ira...

De olhos brancos, encontro tua pele sob meus braços

E dói como o sangue deixa tua boca ainda mais bela

Lava toda essa dor do meu coração antes que ele pare por você

Mantém seus dedos sobre os meus e não adormeça mais

Chora que me ama mais uma noite, e serei eternamente grato.