Encostou a ponta da caneta sobre o papel desgastado. Buscando inspirações no coração apertado, trabalhou a primeira letra do pensamento como se o tempo fosse benéfico à autoria.
Era desorientado e cheio de sonhos. Agora, todo desventurado.
Os que o conheciam sabiam da sua grande tendência à melancolia, mas ele não os enxergava, não mais enxergava nem a si próprio. Sentia-se pequeno e desinteressante, não importava quantos livros lesse ou quantas canções compusesse naquele piano surrado de sua avó.
Respirou. Olhou a cadeira ao seu lado, onde costumava existir um grande expectador, seu maior expectador. O detentor de suas canções não estava mais ali para vangloriar as grandes feitorias do dramático apaixonado. Cortou-lhe o coração pensar. Debruçou fraco sob a pilha de papéis e, com as mãos ao rosto suado, acabou-se em lágrimas desesperadas.
A mão batera na garrafa de vinho, que caiu no chão e manchou o tapete. Ainda ouvia a água cair do chuveiro e bater na cerâmica da banheira. Ainda se lembrava do corpo descoberto sob a cama de lençóis bagunçados. E os cabelos despenteados desesperavam por entender, e ansiava pela loucura cada vez que lhe batia a lucidez.
Os dedos passearam pelas teclas do piano, mais tarde. Pulmões cansados deram espaço à ira...
De olhos brancos, encontro tua pele sob meus braços
E dói como o sangue deixa tua boca ainda mais bela
Lava toda essa dor do meu coração antes que ele pare por você
Mantém seus dedos sobre os meus e não adormeça mais
Chora que me ama mais uma noite, e serei eternamente grato.